O tacho de cobre enorme, muito maior que eu soltava fumaça e ela se espalhava por toda a casa. Passava pelos cômodos e ia para a rua.
Uma enorme peça de madeira mexia constantemente aquela mistura por horas e horas.
Aqueles braços fortes e persistentes a fazer girar, girar e girar eram os braços de minha avó.
Embaixo do tacho, lenha e restos de tocos de madeira.
Eu queria mexer o tacho, mas logo ouvia um sai daí menino é perigoso!
Aquele ritual ao final, se transformava em doce.
Os doces eram repartidos para os vizinhos, colocados em compotas e depois alegravam lanches de cafés da manhã.
Aqueles eram os braços de minha avó. Braços que transformavam uma mistura estranha que soltava fumaça por toda a rua em doce.
Depois de horas e mais horas de esforço contínuo e incessante, minha avó criava doce.
Talvez por passar tanto tempo esperando a transformação química, soubesse como ninguém fazer das próprias palavras algo adocicado.
Suas frases eram certeiras, sem rodeios e de uma objetividade incrível. Eu tento e tento escrever como ela, mas não consigo. Talvez por não compreender como se faz doce de uma simples abóbora.
Aqueles braços ainda costuravam. A máquina singer, um monte de fios soltos e as réguas. O brinquedo mais legal que havia na sua casa eram essas réguas de corte e costura. Elas eram enormes e eu as fazia de espada. Havia também um giz meio rosado que eu usava para desenhar.
Os braços de minha avó transformavam pedaços de retalhos e tecidos soltos em vestidos, colchas e um tanto de coisa. Costurava as calças puídas de tanto trabalho de meu avô.
Esses vestidos ressaltavam pernas e o corpo de mulheres. Vestidos que pediam, muitas vezes, para ser despidos em tardes e noites de amor.
Eram daqueles braços que surgiam.
A melhor colcha que eu já usei para dormir foi ela quem fez. Nem quente, nem fria. Servia para os dias frios, servia para os de calor. E era belíssimo. Uma bricolagem de cores, talvez o primeiro quadro que admirei e tentei entender.
Uma vez ouvi minha avó dizer: filho, qualquer paixão me diverte.
Eu tento até hoje escrever algo com tanto significado e gastando tão poucas palavras.
Minhas mãos e meu braços que nunca souberam esperar por horas e horas no calor para que do nada surgisse um doce, pelejam e pelejam em busca dessa simplicidade profunda. Essas mesmas mãos que nunca criaram o vestido ou a manta de dormir são mesmo travadas diante de minha avó.
Mãos como as dela são raras.
Por elas passaram dor e o sofrimento de trabalhar na roça, de ser a mais velha aluna a concluir o primário já aos 70 anos, depois de ter tanto costurado e adocicado a vida das pessoas.
Inconscientemente, ainda criança, queria ajudá-la rodar aquelas tábuas enormes ou ficar pisando para acelerar a sua máquina de costura por pura diversão.
Tenho ainda hoje vontade de fazer isso, menos por diversão e mais para compreender melhor como se torna a vida doce e simples. Talvez para cobrir as curvas da pessoa amada e, depois despir. Quem sabe para me esquentar com aquela colcha.
Aqueles braços fortes e persistentes a fazer girar, girar e girar eram os braços de minha avó.
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