Há uns 15 anos atrás, numa tarde quente, como são todas as tardes daquela cidade, sentei numa mureta da avenida Washington Luis com Carolina, próximo da hora do almoço. Eu de boné, calça da fórum e meio cowboy. Ela de vestido verde. Esperávamos a carona do seu pai.
Primeiro ano da faculdade, cheios de sonhos na cabeça. Na mureta, não havia apoio para nossos pés, ficavam, portanto, soltos no ar. Soltos como nós, na vida que se iniciava.
Queríamos mudar o mundo, acabar com os caretas, ir contra o sistema e causar.
Sentávamos no fundo da sala e tínhamos como parceiro o Babuíno. Babú, como nos chamávamos mutuamente, foi uma das pessoas mais engraçadas que conheci na vida.
Carol tinha uma voz inconfundível, doce e delicada nos gestos, cabelo todo encaracolado, uma graça de pessoa. Descobrimos que morávamos a poucos metros um do outro. Todos os dias, subia uma ladeira para pegar carona. Chegava e tocava o interfone, depois, com tempo, a porta já ficava aberta. Entrava, pegava o jornal do dia, sentava na sala e lia enquanto ela se arrumava. Fazia doces deliciosos, vários tipos de brigadeiros e levava numa térmica para vender na faculdade.
Conversávamos muito e sobre todas as coisas, teimávamos um com outro, mas não desgrudávamos um minuto. Seus pais tinham um gosto musical refinado, Carol não poderia ser diferente. Muitas músicas e cantores conheci através deles. Como chegava mais cedo, fica ali ouvindo um e outro CD.
Bares, festas, descobertas de uma vida que se iniciava. O sabor do cigarro gudang garam, os porres, o bar do cupim no fim de tarde e a música Dyer Maker, na voz da Sheryl Crown, são lembranças marcantes na minha vida e, em todas, estávamos juntos.
Tudo ia bem até que um dia, Isolda (apelido de Carol), tem que mudar de cidade e, portanto, de Faculdade. Acho que foi no segundo ano.
A vida na Faculdade, sem ela, nunca mais teve a mesma graça. Ficou um vácuo.
Passados alguns anos, numa aula de tópicos avançados, já no quarto ou último ano do curso, Carol apareceu do nada. Tive uma daquelas alegrias inigualáveis da vida ao revê-la.
Fui para a casa da sua avó, cantei duas ou três músicas que havia composto e matamos a saudade. Peguei o ônibus para a casa dos meus pais, pois era sexta feira. Poderia ter ficado o fim de semana com ela, me arrependo até hoje.
Depois não nos vimos mais. Me formei, fui para São Paulo, de lá para Recife e depois para Brasília.
Carol rodou muito também, morou em Alagoas, estudou fora do Brasil uns tempos e foi para Cuiabá.
Cada um seguiu sua vida.
Mesmo sem contato, sempre me lembrava das passagens que tivemos juntos e que tanto marcaram minha vida.
Até que um dia, ano passado, resolvi procurar na internet por ela. Acabei a encontrando no linkedin que nunca havíamos usado.
Mesmo distantes, percebemos que seguimos tudo aquilo que falávamos há 15 anos atrás. Cada um ao seu modo, mas não abandonamos nada daquela vontade de mudar as coisas e transformar, para melhor, o mundo.
Arrisco a dizer que ainda somos como aqueles dois adolescentes, de 17 anos, sentados com os pés soltos ao vento, esperando um carona. Soltos na vida.
Esses dias, numa manhã de outono, senti como aquele personagem do Tempo e o Vento ao se deparar com o minuano, que veria Carol.
Escrevi para ela e perguntei se não nunca mais nos veríamos. Ela disse que sim, fazendo galhofa. Da conversa, surgiu a possibilidade de tentar a pós na UNB. Incentivei muito, mas acabou que não deu tempo.
Ano que vem, Isolda tentará. Eu também.
Quem sabe, em 2015, passados 18 anos do dia em que sentamos no fundão, poderemos ser novamente colegas de turma.
Em Brasilia, muretas para ficar de pés soltos não faltam.
Um comentário:
Amigo maravilhoso e especial!
Sem comentários!
E é assim que as pessoas vão e voltam na nossa vida, mas nunca somem. Estão sempre ali!
Saudades Pá!
Postar um comentário