quarta-feira, 5 de junho de 2013

A carta

A primeira coisa que fazia quando saia de casa era abrir a portinha da caixa postal e enfiar a mão no vão apertado para puxar os papéis. Quase sempre havia contas de água, luz, e panfletos de tele pizza.
A ausência de notícias - há 6 meses que ele não escrevia - causou de tudo um pouco em sua consciência. Momentos de ira e revoluções como no dia em que encheu a cara no bar da esquina e acabou dormindo na mesa. Sensação de vazio e angústia. A ansiedade apertava-lhe e sufocava o peito por não receber mais nenhuma palavra, letra qualquer e declarações ternas de carinho e devoção, recheadas de promessas que a projetavam para longe de todo o cotidiano sem sentido que pensava viver.
A tristeza já a havia cometido em muitas noites sem dormir e o choro, ah, o choro - maior expressão corporal de sentimento que somos capazes de materializar - era companhia certeira quando ouvia músicas que embalaram suas histórias. 
Distante dali, bem longe mesmo, desintegrava um corpo em meio à pastagem de uma vegetação de transição entre o cerrado e a mata atlântica. O autor das cartas que ela tanto esperava era um Geólogo. Ficava dias à procurar pedras e entender a história dos ventos, das águas e sua relação com os minerais, com as montanhas e com o tempo.
Tempo.
Tempo foi o que de repente acabou para ele.
Já não estava.
Na mão direita era possível ainda perceber as marcas dos dentes da serpente que inoculou o veneno mortal.
Era a mão que escrevia.
As cartas todas saíram dali. As declarações mais intensas de amor e desejo, também.
Quando foi encontrado, em seu bolso havia duas cartas em envelope colorido. Ela recebeu a notícia da morte do seu amado e lhe entregaram as duas cartas. A data era de antes do possível dia em que atribuíram a morte. Não teve tempo de postar. Assim foi melhor, ao menos ela teve um consolo diante da tragédia.
Não teve coragem ainda de abrir, guardou como se guarda uma tristeza no peito.
Mal sabe que nelas ele dizia que queria viver para sempre ao seu lado.

  

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