domingo, 21 de abril de 2013

Inalador

O inalador é o objeto que mais se fez presente na minha infância.
Nada de carrinhos ou super heróis: um inalador.
O soro misturado com o remédio criava a nuvem que saia de dentro da máscara e me tomava as narinas todas.
Perdi as contas de quantas vezes passei 30 minutos parado comendo fumaça quente.
A falta de ar, os lábios roxos, o chiado da respiração e a impossibilidade de pegar no sono compõem minhas memórias da infância.
Havia outras coisas? Claro que havia. Mas, não há como esquecer o que é não respirar. 
As dicas milagrosas de curas que as pessoas traziam vinham em forma de garrafadas que eu tinha que tomar: mistura de ovo de ema com cerveja preta. Diziam que curava, minha mãe acreditava e eu bebia.
As bolinhas brancas sem gosto, sem cheiro, tratamento alternativo tomei várias.
Injeção? Quinhentas.
Xarope de tudo quanto é marca? Quatrocentos e cinquenta. 
Bombinhas de berotec? Não lembro. Só lembro da minha irmã com elas, mas isto foi depois.
Imagino o desespero da minha mãe e do meu pai. O filho não respira, falta-lhe ar e o que podemos fazer? Nada!
Claro que me lembro das festas de aniversário, estrondosas festas que transbordavam de gente e eu tinha que cumprimentar todas elas, encarar a timidez. 
Uma vez me prometeram a filha de um amigo do meu pai. Eu tinha 5 anos. A festa era toda minha, bolo cheio de balas redondas e coloridas que nem fabricam mais. Me deram uma bicicleta. Valeska era o nome da filha do amigo de meus pais. Demos uma bitoca, coisa de criança. Todos aplaudiram. Mas, mesmo com toda desenvoltura aparente, continuava tímido.
Falta de ar.
É uma coisa tão banal respirar, mas ficar sem dormir por falta disso não.
Dez ou mais anos da minha vida tive o inalador como brinquedo principal.
Não que me faltasse carrinhos, ferroramas e tudo o mais. É que o inalador me ajudava a continuar vivo.
O cuidado de velar meu sono era de minha mãe.
Sempre ali ao lado me dando atenção, preparando as doses para virar fumaça.
Há, no entanto, uma série de outras coisas que me fazem recordar a infância, mas não poderia não começar pelo principal: o ar que respiro.

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