Se o caminho cheio de fendas e sulcos talhados pela terra molhada desliza os pés descalços da criança e o frio paranaense de julho a faz ruborescer a pele, bater os dentes, cerrar os olhos quase a ponto de escurecer a vista, não é a visão de uma mata fechada que a fará retornar para casa.
O pensamento da criança, tão povoado de fantasias e criatividade, haverá de torná-la superior ao tempo, ao medo, ao cansaço e à falta de condições de conforto.
Sim, a criança alterna passos fortes e determinados, o frio aos poucos vai ficando para trás, pois o sangue, da mesma cor da terra esmagada pelos seus pezinhos, circula mais rápido e o corpo ferve, apesar da neblina na pastagem e da fumaça que sai pela sua boca.
A mata e seus mistérios aguça seu instinto de proteção, ao mesmo tempo que a acolhe dos ventos mais fortes das terras já desvastadas pelos adultos.
No bolso um pedaço de pão, coisa de mãe.
Mas a criança, tem fome mesmo é de conhecimento, por isso não para. Resoluta, segue rumo à escolinha, longe demais de sua casa.
O saber, no meio rural, sempre teve que ser buscado léguas de distância. Era assim em 1950, ainda assim hoje.
O final da caminhada, concluída com êxito, lhe confere altivez ao chegar na sala de aula. Ali ela é rei. Para quem superou fome, frio, mata, medo, chuva e sol o resto se torna fácil.
A criança suportou tudo, porque criança tem um quê de herói. Criança ousa, cria, recria, chora, mas logo sorri. Sorri sem receio de mostrar a ausência dos dentes de leite.
Hoje, 62 anos depois, a mesma criança insiste em caminhar rumo ao desconhecido do conhecimento.
Ao invés de terra, as ruas da Barra Funda. Ao invés dos barulho dos pássaros e dos riachinhos que ultrapassou pelas pinguelas, o motor dos ônibus e das buzinas de motoboys.
Hoje, quase pós graduado. Ontem, alfabetizado.
Sempre com aquele sorriso matreiro e comovente, que só quem foi ou mantém o espírito ousado de uma criança é capaz de sustentar.
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