terça-feira, 2 de setembro de 2008

Luís

Vivia mais como personagem de um livro de literatura do que como assalariado cobrador de ônibus.
Em cada livro que lia, saia de dentro do ônibus, da catraca, do mónoxido de carbono que tanto sorvia, em manhãs, tardes e noites de idas e vindas ao mesmo ponto.
Para ele, maior prazer não havia que poder abrir seu livro e sumir, evaporar daquela lata velha barulhenta e sobrestar, mesmo que por preciosos momentos rápidos, a mesmice de um trabalho sem sentido e repetitivo.
No seu banquinho devorava Faulkner, Balzac, Machado, Garcia Marquez e Shekeaspere...
De todos sabia um pouco, de todos viveu um pouco.
Não deixava seu banquinho por nada nesse mundo, só mesmo deixou por aquelas lágrimas derramadas ali, perto dos seus pés.
Luís, parou no ponto com Mel e se dipôs a pagar uma água ou um café para ela, que topou na hora.
Conversaram horas seguidas, sobre tudo e é claro, sobre a doença de Sil.
Mel, sentiu que como ela naquele momento, Luís era um homem carente de afeto, incompreendido num mundo em que sentimentais são atropelados pelas circunstâncias da vida egoísta e competitiva dos dias atuais.
A carência de ambos, mesmo que a de uma sendo momentânea e, a de outro, costumeira e cotidiana, os uniu como pão de queijo e café.
Não trocaram telefones porque Luís não tinha, restando a ele anotar o de Mel.
Despediram-se no café, com o sentimento de que algo de relevante havia acontecido, para além de livros de literatura e telefonemas despropositados de uma central de atendimento.

Um comentário:

tatiana reis disse...

esbarrões de vida.
ás vezes me sinto anestesiada e é assim, quase que no susto de um café com um delicioso desconhecido que me toco novamente. E me sinto pulsar.