quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O cigarro

Com a cara esfregada na areia, o corpo explodido pela barriga e os fiapos do seu organismo soltos entre papéis de extrato bancário, chicletes usados e cartões daqueles que nos entregam na rua pelo trabalho informal, estatelou morto o representante da philip morris.
Ali foi abandonado por um conhecido seu de nome Bolanger.
Os dois eram muito amigos, precisavam-se um do outro de minutos em minutos, ainda mais quando a ansiedade apertava.
Nos últimos segundos antes da sua morte, sentiu que Bolanger estava muito mais tenso que o normal, falava alto ao celular, desesperava-se ao ponto de encher de ódio seus olhos com lágrimas.
Temeu que seu amigo fosse nele descontar toda raiva que sentia no momento.
Tentou em vão, trocar de lugar com outros que estavam ao seu lado, ninguém quis.
No último recurso, tentou ainda se enganchar no selo de qualidade que fica bem no meio da sala onde estavam ele e os outros 12 representantes da empresa. Não deu certo.
Teve então que se encontrar com o amigo em desespero e se confortar com seu trágico destino.
Foi todo tragado pela angústia de Bolanger. Seu corpo foi queimado aos poucos, com o mesmo método que se usa nas favelas para torrar inimigos: o temido microondas.
Cada volta de póvora que Bolanger detonava, ardia-lhe a alma e tirava dele aos poucos a esperança de se tornar uma bituca com dignidade, conseguindo uma boa aposentadoria, num cinzeiro descolado de um shoping famoso.
Mas, quando a ânsia desenfreada do seu amigo passou pelo meio de sua barriga, sentiu que não tinha mais que se apegar a esperança alguma, ia ser esfregado mesmo no último momento de vida.
Tentou ainda por último, torcer para que a interlocutora de Bolanger, controlasse sua angústia, mas não, ela só fazia era aumentá-la.
No último suspiro, ainda pode ver as pessoas que passavam ao lado indiferentes, e viu ainda os primeiros grãos de areia a raspar-lhe a face.
Causa da morte, uma decepção amorosa.

Um comentário:

Paloma Gomes disse...

Ahhhh sim! Agora entendi.
Perfeito rápa.
Tu anda muito sentimentalista, até com cigarro você se sensibiliza.
Beijocas