segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Sobre orquídeas e cigarras

Ao lado do sofá de casa e em cima de um bumbo nasceu, cresceu e morreu uma orquídea.
Todo esse tempo pode ser traduzido em algumas semanas. Ao menos em relação ao que fui capaz de observar. Incontáveis horas em que, relapso, nem me dei conta que ali, praticamente ao lado da minha cabeça, flroescia uma branca, rosa e amarelada orquídea. Ela se preparou, apontou e discretamente surgiu para logo explodir em cores e profusão.
No chão da minha quadra, esqueleto de cigarra.
São muitos os esqueletos e muitas as cigarras.
Assim como a orquídea que cresceu e morreu ao lado da minha cabeça, a cigarra de hoje não é nem sombra daquela de dias atrás quando ansiosa e ininterruptamente anunciava a chuva.
Imagino que aquele esqueleto foi filhote, desenvolveu e atingiu a plenitude nas tardes barulhentas do parque. E, depois, como a orquídea, lentamente saiu de cena. Discretamente, sem alarde ou pompa.
O que há em comum entre a orquídea que um amigo deixou para que eu cuidasse e as cigarras do parque da minha janela é a falta de tempo para que eu pudesse perceber todos esses momentos.
Incontáveis vezes passei perto das cigarras que ainda se preparavam para cantar, mas acabou que só tive a capacidade de observar seu estridente canto e seu esqueleto. O canto, o esqueleto e nada mais.
A orquídea pude observar um pouco, ainda sim não tanto quanto deveria.
A falta de tempo para perceber todos os momentos da vida, de orquídeas e cigarras, me ilude a ponto de ter quase a certeza de que a vida é apenas canto e esqueleto.
Hoje retirei a folha seca e morta da orquídea. Ela não tinha mais aquele branco, amarelo e rosa misturado. Era apenas uma enrugada folha seca que retirei do galho e fiz retornar ao vaso para que adubo se tornasse.
A falta de tempo leva a ignorância de entender pouco da vida.
Porque ela não é só esqueleto e adubo, nem mesmo um canto que anuncia a chuva.
A vida é esse entremeio, essa passagem entre a exuberância e a folha seca.
Entre a harmonia de anunciar a chuva e um esqueleto no chão.
É travessia.
E de passagens e travessias só entende quem tem tempo para observar e não se deixar levar pela ilusão dos momentos mais visíveis, chamativos e óbvios.
É preciso ter mais tempo, pois ainda há orquídeas e cigarras.
E, em cada orquídea e cigarra, uma nova chance para perceber o entremeio da vida.






Um comentário:

Natália Dino disse...

nossa pá, que lindo! que bela lembrança! obrigada!