Adolescente tem a mania de escrever na contracapa do caderno dos amigos. Se usava letras diferentes com estilo de pichadores, alguns desenhos com carinhas e corações.
Uma vez uma amiga escreveu she loves you no meu caderno.
Demorou um pouco para traduzir, mas quando cheguei em casa fiquei olhando para a letra dela e viajando.
Ela me ama?
Ou era só uma letra de música aleatoriamente escolhida?
Como quase sempre lemos as coisas através de um filtro particular, escolhi o a primeira opção.
Na aula do dia seguinte já estava abobalhado e não conseguia mais prestar atenção em nada do que o professor falava. Abobalhado como todos os que se apaixonam.
Passava a aula a ler e reler she loves you. Em casa ouvia incontáveis vezes no discman.
Poderia ter sido um milhão de trechos de música, mas precisava escolher logo esse? Poderia ser he comes the sun ou imagine, sei lá. Calhou que foi essa e me pegou justamente nesse momento de se apaixonar. E ela que nem sequer fazia ideia do que uma simples letra de música poderia criar acabou, com três palavras, despertando algo que jamais havia desejado até então.
E nisso vão se os dias nos embalos desse she loves you que só tocava na minha cabeça.
Minha grande chance era um baile que teria na cidade dela. Arrumei a melhor roupa de festa, um sapato ferracini com metal que usava na época, calça semi bag e camiseta de estampa colorida de surfista. Pus gel no cabelo e convenci meu pai a emprestar o carro, mesmo tendo 16 anos.
O baile começa, as músicas tocam e eu esperando a oportunidade perfeita de perguntar pelo she loves you. Seria esse o momento ideal para o beijo. As letrinhas das palavras dos beatles começaram a desmoronar uma a uma quando ela beijou um menino mais velho que eu.
Música rolando, fumacinha de baile, luzes que piscavam e aquela sensação de bomba atômica bem o meio do peito.
E aquelas letras que haviam me entorpecido durante dias, se transformaram na mais dura realidade indesejada.
Ainda extraio sentidos das palavras para além do que elas realmente significam. Disso surgem alguns enredos com finais tristes e alegres. Mas, toda vez que ouço Beatles lembro desse meu caderno e do azul da caneta. E eram apenas três palavras.
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