terça-feira, 23 de setembro de 2014

A partida e a chuva

Ah, o último corte no barbeiro e as palavras de despedida.
Sensação estranha essa de "a última noite", aquele "boa sorte" ou um " se cuida".
O gato que em ti se enrosca e você logo projeta um "ele sente o que vai acontecer".
Os abraços, ah os abraços tão demorados como se fossem os últimos.
O café, o livro que fica e o quadro que dou. Pedaços e partilhas.
O horizonte visto de uma rede na roça.
A queimada que recebe as primeiras gotas de chuva, os cliques na máquina e a flor que surge desavisada.
Levo na mala quase nada, apenas a roupa embrulhada.
Extrapolo, no entanto, a quantidade máxima de carga nas lembranças que trago.
Me indaga a atendente imaginária, pra que tanta coisa?
Digo, sorrindo, que ainda tem um caminhão vindo atrás de mim.
Me enganei quando pensei que não fosse chegar o dia, embora trabalhasse meses me preparando.
Ele chega.
No entanto, chega.
Não queria ir embora sem antes ver a chuva.
Sem antes sentir aquele ventinho que a anuncia e o cheiro de poeira que ela levanta.
Sinto que ela chega, assim como a hora de partir.
Torço para que chegue antes, assim como os ipês. Eles esperaram tanto ou mais que eu. Eles floriram, eu só pude atabalhoadamente correr atrás das coisas cotidianas, daí que merecem a chuva mais do que eu mereço a hora de partir.
Quem sabe não chegarão juntos. Quem sabe não são a mesma coisa, pois a água que desaba lá de cima é a mesma que, desavisada, transborda nos olhos.









Nenhum comentário: