pouca coisa na mala e vontade acumulada.
Um das lembranças mais fortes da minha infância é a de avistar, de cima de um morro, minha aldeia. A visão se tornava ainda mais agradável porque a havia deixado para trás e ido morar na cidade grande.
De lá de cima desse morro, era possível avistar quase toda sua plenitude. A avenida que a cortava quase que por inteiro, as sibipirunas que a forravam de verde. O prédio único que se destacava e a caixa d´água.
Em cada chegada, uma euforia sem fim. Pulava no banco de trás do carro.
Eu não nasci lá, apenas cresci.
Essa relação que desenvolvemos com o lugar em que crescemos é muito forte.
Apenas nasci em outro lugar.
A relação é diferente.
Por muito tempo, a pergunta "de onde você ?" me confundia.
A relação que sempre fiz com o lugar em que nasci, se dava através de um rio e uma represa.
Claro que lembro de jogar bola no bairro de operários em que meu avó sempre morou e da divisão bem delimitada entre as classes sociais. A cidade foi planejada e existiu em razão da barragem. Os peões da obra residiam em casas germinadas de madeira, com um campo de futebol na frente. Os engenheiros em casas amplas e em bairros urbanisticamente bem bonitos e planejados com jardins. Os clubes sociais eram divididos dessa forma. O "Seis" só era frequentado pelo topo e, assim ia descendo a numeração dos clubes de acordo com o nível ocupado. Um operário não podia frequentar o clube dos engenheiros, por óbvio. Aos ricos, jardins. Aos pobres, campos de futebol. É possível jogar futebol nos jardins, mas não é possível ter jardim na grama do futebol.
Além do rio, lembro de meu avó chegando, às 18hs, de macacão cinza e suado após um dia de trabalho. Eu adorava comer o que havia sobrado da marmita dele. Aquele arroz e feijão misturado e meio frio, era qualquer coisa de delicioso.
De tudo nos fica um pouco ou muito desse pouco.
Aquele rio enorme, de frente para aquela barragem sem fim é a parte que tenho da cidade em que apenas nasci. Tinha maior orgulho do meu avó porque ele construiu aquilo. Foi ele! Havia guindastes amarelos enormes que retiravam vegetação do fundo do rio. Saber que ele operava uma daquelas máquinas me enchia todo. Meu avó construiu isso aqui. Como ele trabalhou em várias barragens do complexo Urubupungá, em todas que passava eu pensava: meu avó que construiu isso aqui!
Essas lembranças todas povoam minha imaginação.
Sibipirunas, macacões, marmitas e os rios.
Queria mesmo caminhar para uma das duas terras.
A que nasci e a que cresci.
Queria mesmo que elas se fundissem e lá encontrasse tudo. Meu avó, o rio, a barragem, o campo de futebol e a caixa d´água.
Queria mesmo era estar sempre de chegada,
pouca coisa na mala e vontade acumulada.
Um comentário:
Caramba!
O que dizer? Lágrimas brotam.
É uma mistura de sentimentos. De alegria ao ler texto elaborado pelo filho amado, cheio de lembranças boas, brotadas do coração, em homenagem ao meu pai. E de tristeza por não poder voltar ao passado e reviver a felicidade vivida.
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