domingo, 6 de janeiro de 2013

A destruição do calçadão

Na minha aldeia havia um calçadão cujo centro tinha um bar.
No calçadão, uma loja pernambucanas, outra de conserto de relógios, dois bancos, um deles gerenciado pelo meu Pai. O que me chamava a atenção, era o bar do centro do calçadão. Nele, meu Pai tinha uma conta. Todo final de tarde ele e outros funcionários paravam ali, tomavam uns "golos" e se confraternizavam.
Eu, com minha turma de uns 15 moloques descalços e sem camisa, não só sabia da conta como me valia dela. Incontáveis foram os sorvetes para mim e para minha turma. Usava a divisão de classes para distribuir os sorvetes. O de chocolate era para mim, os de frutas para a molecada. Vez ou outra premiava um dos moleques com um de chocolate, mas o que lembro mesmo era eles com os de fruta e eu com o de chocolate.
Saíamos aos montes andando pelo calçadão. Parada obrigatória era as casas Pernambucanas. Ali havia novidades. Encantávamos com os aparelhos de som, com as bicicletas, com as vitrines.
Espaço comunitário o calçadão. Meu pai tomava cerveja com os outros trabalhadores bancários e eu exercia o poder com meus sorvetes de chocolate.
Cenário de minha nostalgia, saída arquitetônica para frear a individualidade dos carros e o egoísmo da divisão do espaço público, tomados de assalto pela violência urbanística dos viadutos, túneis, semáforos.
Ontem, revendo fotos da minha aldeia, vi que um imbecil abriu uma rua e cortou o calçadão, onde parava para ver as vitrines das lojas Pernambucanas. A rua que o estúpido criou só passa um carro por vez, mas coube um infinito de estupidez. A largura dessa rua é do tamanho da sua mediocridade.
Minha aldeia tem 20 mil habitantes, todos eles passaram pelo calçadão em algum momento da vida, mas ninguém se levantou para impedir.
Um monumento aberto à fantástica capacidade do ser humano de ser medíocre.
No final do ano, o imbecil que cortou com uma rua o calçadão, deve ir passar férias em Madrid, sentar num de seus inúmeros calçadões e praças, pedir um chop, um sanduíche de jamón e comentar, "nossa, como esses europeus são avançados, aqui é tudo organizado e agradável. Que belas praças, que belos calçadões".



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