Na minha aldeia havia um calçadão cujo centro tinha um bar.
No calçadão, uma loja pernambucanas, outra de conserto de relógios, dois bancos, um deles gerenciado pelo meu Pai. O que me chamava a atenção, era o bar do centro do calçadão. Nele, meu Pai tinha uma conta. Todo final de tarde ele e outros funcionários paravam ali, tomavam uns "golos" e se confraternizavam.
Eu, com minha turma de uns 15 moloques descalços e sem camisa, não só sabia da conta como me valia dela. Incontáveis foram os sorvetes para mim e para minha turma. Usava a divisão de classes para distribuir os sorvetes. O de chocolate era para mim, os de frutas para a molecada. Vez ou outra premiava um dos moleques com um de chocolate, mas o que lembro mesmo era eles com os de fruta e eu com o de chocolate.
Saíamos aos montes andando pelo calçadão. Parada obrigatória era as casas Pernambucanas. Ali havia novidades. Encantávamos com os aparelhos de som, com as bicicletas, com as vitrines.
Espaço comunitário o calçadão. Meu pai tomava cerveja com os outros trabalhadores bancários e eu exercia o poder com meus sorvetes de chocolate.
Cenário de minha nostalgia, saída arquitetônica para frear a individualidade dos carros e o egoísmo da divisão do espaço público, tomados de assalto pela violência urbanística dos viadutos, túneis, semáforos.
Ontem, revendo fotos da minha aldeia, vi que um imbecil abriu uma rua e cortou o calçadão, onde parava para ver as vitrines das lojas Pernambucanas. A rua que o estúpido criou só passa um carro por vez, mas coube um infinito de estupidez. A largura dessa rua é do tamanho da sua mediocridade.
Minha aldeia tem 20 mil habitantes, todos eles passaram pelo calçadão em algum momento da vida, mas ninguém se levantou para impedir.
Um monumento aberto à fantástica capacidade do ser humano de ser medíocre.
No final do ano, o imbecil que cortou com uma rua o calçadão, deve ir passar férias em Madrid, sentar num de seus inúmeros calçadões e praças, pedir um chop, um sanduíche de jamón e comentar, "nossa, como esses europeus são avançados, aqui é tudo organizado e agradável. Que belas praças, que belos calçadões".
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