terça-feira, 22 de maio de 2007

Traças IV

Pisa no giz, espalha pó branco por entre tacos carcomidos de abandono. Ajoelha-se, mira a porta certificando-se que não há mais niguém. Agora é só ele e o pó. Deseperadamente põe-se a consumi-lo. Um cão ansioso por fechadas horas de apartamento. Cheira tudo, os cor de rosa são mais doces, lembram amor, mas o que ele gosta mesmo são dos amarelos. Sempre quis ter uma pipa amarela e o sabor é de manga, manga fibrosa que lembra o desejo e pedaços de carne molhadas. Delira. Por uns momentos se esvai em pulsações e arritimias. Ali, perto da mesa do mestre, o retrato cabal da loucura humana.
- Clap, clap, clap, linda cena!!!
O intelectual agora rasteja e consome a química criadora de suas letras e palavras! Levante-se querido, pegue o Prozac que você disse não possuir, ah... já tomou! Nossa, tá mal mesmo hein?
Não, não limpe essa baba na camisa, tua mulher vai ter que lavá-la depois. Vai, acabou o teatro! E tragédia é boa quando fica pior. Por que me retribuiu com indiferença na livraria, hein? Me fazendo passar por louca, louca eu? Fala pra mim: eu, louca? Me poupe seu bosta! Da próxima vez não vou salvar você, tá me ouvindo?
Esse papelão todo porque? Tua mulher não te traiu hoje, ontem pode ser, mas hoje ainda não, são 12h45 ainda. Ah, lá vem, esse mundo é injusto? Sei, sei... E você quer mudá-lo com uma revolução? Assim, cheirando giz? Você quer todo mundo cheirando giz, PELOS DIREITOS DOS POBRES CHEIRAREM GIZ!!!! PÃO, TRABALHO e GIZ!!! Palmas para ele!!!
Olhe pra você, cheio de culpas, de remorsos, justificativas para sua monstruosidade. Seu monstro é você mesmo! Você não tem coragem de cobrar aluguel dos seus demônios, nem pra isso você serve! Moram de graça há anos! Você é fraco, antes de tudo, UM FRACO!
- Obrigado Rosa, não quero café agora não, tô corrigindo umas provas, pode deixar que eu fecho o portão quando sair. Boa tarde pra você também.
Escute, você quer o que de mim? Me fazer chorar novamente? Minha humilhação é sua endorfina? Triste sina a sua, retirar alegria das lágrimas de um homem!
- Homem? Você, homem? Você é um desastre da raça!
- Olha, não sei o que eu te fiz, só sei que quero ir embora, tudo bem? Por favor, me dê licença.
Juntou seus papéis meio que desajeitadamente e esperou o ônibus, enquanto a via sair da escola fumando um camel. Ela era o retrato de audácia, do abuso e do desafio, coisas que ele há muito não sentia, quiça nunca teve.

Um comentário:

Paloma Gomes disse...

Quero ver onde essas estória vai parar. Sei não, sei não.
Mil Beijos