sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Ralf e uma saudade

Eu ainda não vivi maior alegria do que aquela que senti ao ver de dentro do carro do meu pai, depois de alcançar um morro, a cidade em que fui criança. Aos oito anos.
Por que existem muitos lugares para ser criança, mas há aquele em que se é.
Sei que lá eu fui porque foi a primeira vez que senti saudade.
A primeira vez que se sente uma saudade!
Depois disso, de aprender o que é saudade se entende um pouco sobre amar.
Talvez ter saudade seja a primeira aula do curso de amar.
Eu vi a cidade que deixei sem querer e aprendi uma saudade.
Foi o Ralf, meu pastor alemão, quem primeiro ocupou o espaço da saudade que estranhamente sentia. Me distraiu enquanto não subia o morro, enquanto não sentia a alegria do reencontro com minha saudade.
Talvez o Ralf tenha sido a segunda lição do verbo amar.
Eu amei aquele cãozinho. Era com ele que conversava meus segredos e medos. As estórias que ainda não tinha a quem contar.
Amar é um pouco contar e ouvir histórias.
Era o que me levava a perder o medo de pegar um ônibus sozinho para atravessar aquela cidade grande que me oprimia e assustava.
Ela não era, definitivamente, a minha cidade. Cidade que só aparecia depois daquele morro.
Voltava para casa sozinho por que sabia que lá estaria o Ralf a me esperar.
Cuidar, ter ternura, outra lição do verbo amar.
Cuidado que tinha ao colocar o leite, vê-lo lamber rapidamente o leite, do barulho dele bebendo o leite. Sentir o cheiro do leite depois enquanto ele me lambia. Era a ternura que descobria. E o cheiro. Como é bom o cheiro de quem se ama.
Via as revistas de cachorros e imaginava ele grande. Talvez porque soubesse que ele me protegeria de tudo.
Ralf morreu bem pequenininho e eu chorei.
Sequer pude vê-lo na veterinária.
Depois disso, continuei tendo saudade da minha cidade, mas a perda de Ralf me transformou.
Saudade, cuidado e o cheiro de leite no meu rosto. Rapidamente e, sem saber, aprendi o que era uma saudade e quanto ela é importante para se entender o amor. Deixar o amor assentar é a saudade quem faz.
Até hoje tenho saudade do Ralf e da minha cidade.
Ainda tento me distrair para amenizar saudades.
Um tombo de skate ajuda.
O encontro do mar, também.
Mas, ainda sim, são só distrações. Por que a saudade, quando aparece é uma música que ensina e anuncia o amor.
E o amor, transforma. 







2 comentários:

Natália Dino disse...

Pá, fazia um tempinho que não me deliciava aqui. Obrigada por mais essas palavras que tocam tão fundo que chega nem parecem palavras. Acho que talvez não sejam mesmo. Acho que talvez sejam mesmo carinhos...

Pá Mariano disse...

Naty, querida, obrigado!
Nesses tempos tão loucos, um pouco de poesia, ainda que um tentativa de buscá-la, pode servir de alento.
Beijo grande