quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Sobres alergias e amores

Toda alergia ou doença respiratória é um pouco fruto de suspiros de amor.
Alana comia terra para impressionar o menino que via correr pela quadra da escola. Escolhia aqueles torrões mais úmidos e quando mordia a terra, imaginava estar comendo parte daquele corpo que desejava. O menino só notou um vez, mas preferiu continuar correndo. Usava aqueles torrões para jogar nos inimigos e sequer sabia que eles eram a maior demonstração de amor que alguém lhe havia devotado na sua vida.
Paulinho esfregava as costas no muro e sentia um prazer de quase gozo. Procurava um toque, na falta de alguma mão para tocar-lhe as costas.
João aprendeu a comer cola tenaz para chamar a atenção de Aline que só queria saber de quebra-cabeças. Ela não era muito boa em educação artística. Ainda bem que João não seguiu o conselho de Murilo para tentar uma cola mais potente, como super bonder.
Eu derrubei yakult quando Maria me pediu no recreio.
Pedro coçava a dobra da perna de angústia esperando que sua mãe voltasse do salão da esquina.
Patrícia esfregava e deixava as pálpebras vermelhas de agonia ao aguardar o uatizap de Paulo.
Paula preferia as dobras do antebraço, eram melhores e mais acessíveis para coçar enquanto esperava que o marido voltasse da viagem. Aquela vermelhidão que ficava era um pouco representação das cores das flores que esperava receber, mas que nunca chegavam.
Um menino que se perdeu da mãe no supermercado coçava a orelha e respirava como asmático até começar cair as lágrimas. Elas formavam um pequeno arroio que molhava a gola da camiseta e como ele havia corrido como se não houvesse amanhã um pouco antes, o suor e as lágrimas formaram um riozinho sujo, de águas barrentas. Foi isso que motivou a primeira reação de fúria da mãe ao reencontrá-lo. Sequer um abraço, levou foi uma bronca. Triste fim o dele depois de tanto ter se coçado e soluçado por saudade da mãe.
Suspiramos com força toda vez que desligamos o celular após aquela esperada ligação.
Os momentos que antecedem o beijo são feitos de suspiros.
João foi ao dermatologista porque não parava de coçar a nuca.
Quando você mais sente vontade de coçar, perguntou o médico?
Foi a mãe quem respondeu que bastava que o filho visse a vizinha para começar, freneticamente, a tocar a nuca.
Talvez quisesse, sem o saber, que fossem as suas mãos a da pessoa amada ali a lhe tocar.
Asma, alergias, coceiras inexplicáveis tem todas a mesma origem.
Desnecessários todos os antialérgicos, analgésicos e drogas.
Para curar aquela respiração descompassada e acalmar a coceira na pele, só há um remédio: um pouco de amor. Enquanto isso não chega, coçar e suspirar pode servir de acalanto.


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